Velas negras em seu tumulo

Foi o pior dia de minha vida, e das de minhas primas Rebecca e Natalia também. Não estou muito preocupada com Natalia, estou mais preocupada com Rebecca, ela só tem seis anos e essa experiência deve ter sido fatal na vida dela.

Foi num sábado, 11 de setembro de 2008 para ser mais exata, eu minha prima Natalia e sua irmãzinha caçula Rebecca estávamos no meu jardim olhando para a rua pouco movimentada.

E do outro lado da rua tudo o que podíamos ver era o cemitério, misterioso e silencioso, com um grande portão, nunca tive medo de entrar lá, eu e Natalia íamos lá todo o dia depois da aula.

Nós duas ficávamos olhando cada tumulo, e brincávamos de adivinhar as datas de nascimento e morte das pessoas, mas minha mãe nos ensinou que era falta de educação usar os mortos como meio de diversão.

Mas não parávamos ainda íamos lá. Brincar de esconde-esconde em um cemitério é a coisa mais legal do mundo. De seis a nove anos era nosso lugar preferido do mundo inteiro.

Então quando Rebecca nasceu, e nos começamos a ficar mais em casa, hoje e nós duas com 15 anos, e Rebecca com seis o cemitério é o ultimo lugar onde qualquer uma de nós pensaria em querer ir.

Só que isso mudou.

__ Lembra quando íamos ao cemitério e ficávamos horas lá brincando?

__ Como esquecer__ Me respondeu Natalia

__ Você já entraram lá?__ Disse Rebecca com sua voz de bebe.

__ Íamos lá todo o dia antes de você nascer__ Respondi.

Eu olhei novamente para o outro lado da rua só pra ver a entrada do cemitério, nem prestei atenção no que Natalia e Rebecca estavam falando. Natalia empurrou meu braço e eu olhei pra ela.

__ Que foi?__ Perguntei.

__ Você dormiu__ Ela brincou__ No que esta pensando?

__ Devíamos ir ao cemitério__ Eu me decidi.

__ Ta ai algo que eu não ouso a muito tempo__ Natalia falou

__ A qual é... A Becky nunca foi ao cemitério__ Lutei

Natalia riu.

__ Espera você quer levar ela?__ Natalia apontou para sua irmã

__ Quero sim__ Eu falei.

__ Annie__ Natalia me chamou

__ Por favor, Nate__ Pedi fazendo biquinho

Eram nove e meia da noite, eu coloquei meu casaco, Natalia prendou o cabelo em um rabo de cavalo e Rebecca colocou seu colar, eu olhei para o espelho e abri a porta da frente, Rebecca saiu e Natalia foi atrás.

__ Que horas nossos pais vão voltar?__ Perguntou Natalia

__ Lá por meia noite, temos tempo__ Respondi.

__ Por que temos que ir de noite?__ Perguntou Rebecca

__ Por que eu nunca fui ao cemitério de noite__ Respondi a ela

Não sabia que se podia ficar num cemitério de noite. Eu sorri e peguei Rebecca no colo olhei para dentro do cemitério e suspirei, era perfeito estar ali de novo, o cemitério não tinha mudado nada desde que vínhamos aqui.

As luzes que iluminavam a estrada de pedras me causaram arrepios, eu nunca tive medo do cemitério não vou ter, não agora, eu coloquei Rebecca no chão e nós três caminhamos até o meio de uma das estradas.

Nós nos sentamos ali mesmo no chão, Natalia colocou uma luminária bem no meio de nossa roda, e nós sentamos no chão olhando umas para as outras, eu sorri para Natalia, ela devolveu o sorriso.

__ É bom vir aqui__ Falei.

Do nada Rebecca arregala os olhos, olhando para trás de minha cabeça, ela gritou “gatinho” e ela começou a correr, eu me levantei e comecei a correr atrás dela, Natalia também, nós corremos enquanto gritávamos o nome dela.

Eu finalmente cheguei até ela.

__ Becky, ai graças a Deus por que correu?__ Perguntei.

__ O que eu faria se algo acontecesse com você?__ Natalia abraçou Rebecca

__ Por que correu?__ Perguntei

Rebecca apontou para cima, eu olhei em direção ao dedo que ela apontou, ela tinha apontado para um gato que estava em cima de um tumulo. Natalia pegou Rebecca no colo e eu suspirei, e com um pouco medo olhávamos para o gato.

O gato era preto e ele olhava para nós com os olhos verdes como quem iria nos matar, eu olhei para o tumulo o nome da mulher era Elizabeth Beccan, e em sua foto havia um lindo sorriso olhando para nós.

Mas o que realmente me assustou foi que em volta do tumulo, havia umas 13 velas, todas elas eram negras eu olhava para aquilo cada vez mais assustada, eu pisquei e olhei para Natalia

__ O que acha que ela é?__ Perguntei sussurrando a Natalia

__ Se a lenda for verdade não preciso dizer__ Ela respondeu

__ Que lenda?__ Disse Rebecca

Eu e minhas primas nos afastamos daquele tumulo devagarzinho, e voltamos para onde estávamos eu olhei para trás para ver o tumulo e o gato mostrou os dentes afiados para mim, antes de deitar novamente sobre o tumulo.

__ Que lenda?__ Repetiu minha priminha

__ Quando éramos pequenas nossas mães nos contavam que quando há um gato preto em cima de um tumulo então quer dizer que esse túmulo pertencia a uma bruxa, e se tem velas negras, a bruxa era má.

Natalia Respondeu.

__ Só que é claro que nós nunca acreditamos__ Completei.

__ Por que não acreditavam?__ Perguntou Rebecca

__ Não sabemos, era algo que não acreditávamos__ Falou Natalia.

__ Eu acredito__ Completou Rebecca

Eu e Natalia trocamos olhares arrepiados, é claro que era ridículo, sabermos que há uma bruxa em um tumulo só por que há um gato nele e velas negras ao seu redor, ridículo, mesmo sendo algo assustador, é ridículo.

            Eu não queria que Rebecca acreditasse nessa idiotice de que podemos saber quem era a pessoa o que o que era a pessoa só pelo o que estava escrito ou representando o túmulo onde essa pessoa estava.

__ Olha Becky nós acreditamos e não foi bom__ Natalia começou

__ Passamos anos tentando achar um gato preto aqui e nunca conseguimos

Eu falei um pouquinho indignada e desapontada

__ Não acredite só vai se decepcionar__ Natalia completou.

Comecei a caminhar em direção ao tumulo onde, as velas negras brilhavam e onde o gato preto estava deitado eu abaixei e peguei uma pedra, e joguei bem perto do gato, mas sem acertá-lo.

__ Hei não se mexa no descanso eterno de alguém__ Falou Becky

__ Você tem seis anos não sabe de nada__ Falei.

Eu caminhei para perto do e me impressionei. As chamas que estavam nas velas negras aumentaram sozinhas, pisquei e joguei minha cabeça pra trás com o susto e inalei, eu continuei caminhando em direção ao túmulo.

Eu chamei minhas primas e nós sopramos cada vela que esta ali, acabando com a chama de todas, menos a da maior vela que foi a que eu deixei por ultimo, eu me agachei e soprei a vela, mas ela não apagou, eu soprei mais forte.

Do nada uma enorme rajada de vento passou e foi tão forte que eu acabei caindo no chão, minhas primas correram em minha direção, eu me levantei pelo menos a vela tinha finalmente apagado.

Nós ficamos um tempo ali dizendo que não acreditávamos e que tudo aquilo era uma total perda de tempo, depois disso, Becky começou a acreditar e se juntou a nós, agente provavelmente destruiu o tumulo daquela mulher.

__ Vamos embora Annie por favor__ Implorou Natalia

__ Vamos não tenho mais nada pra fazer__ Eu respondi.

Nós começamos a caminhar, mas alguma coisa me obrigou a parar eu olhei para trás para olhar novamente para o tumulo, o sorriso na foto na lápide tinha desaparecido e ao invés disso se tornou em uma cara emburrada, eu engolia seco e eu e minhas primas não pensamos duas vezes e saímos daquele lugar.

E já tinham se passado dois dias, quando eu e minhas primas ainda tentávamos entender o que aconteceu lá, minha prima e eu conversamos sempre que Rebecca estava dormindo, mas nunca falamos disso pra ninguém.   

Rebecca olhou para a janela

__ Que foi Becky?__ Perguntou Natalia

__ Não sei__ Rebecca corou__ Alguém esta falando comigo

­­__ Becky__ Eu chamei__ O que disse?

__ É como se alguém estivesse__ Rebecca parou de falar de repente.

Rebecca começou a caminhar para a porta e sem olhar pra trás, ela ignorava os gritos que eu e minha prima fazíamos, nós duas gritávamos o nome dela, eu peguei o braço de minha prima e nós duas a seguimos.

Rebecca atravessou a rua. Ela parou em frente ao cemitério, eu também parei olhei para Natalia e acompanhei Rebecca que novamente tinha começado a andar. Rebecca parou em frente ao tumulo de Elizabeth.

Ele estava o mesmo jeito que deixamos.

__ Becky?__ Chamei a atenção dela

__ Ela quer que consertemos o que fizemos__ Disse Rebecca

Eu e minha prima trocamos olhares arrepiados, eu não acreditei em Rebecca, eu a peguei no colo e então nós três voltamos pra minha casa, eu olhei pro sofá e coloquei Rebecca sentada lá.

__ O que foi aquilo lá Becky?__ Perguntou Natalia

__ Ela quer que consertemos o que fizemos__ Disse Rebecca com a cara fechada

__ Como sabe o que ela quer?__ Eu perguntei

__ Eu posso ver os mortos__ Rebecca sussurrou sorrindo

Eu pisquei.

De repente a porta se fechou fazendo um barulho muito grande, eu me assustei, mas o que me preocupou de verdade, foi que a televisão deu de ligar sozinha eu inalei e segurei a mão de minha prima firmemente.

“Depois de 20 anos enterrada, no cemitério municipal da cidade de São Francisco do Sul, o caixão de uma mulher com o nome Elizabeth Beccan, foi desenterrado, só para os trabalhadores do cemitério se assustaram quando perceberam que o corpo da mulher não estava dentro do caixão até agora não sabemos o que aconteceu ou onde esta o corpo, mas manteremos vocês informados”

A televisão desligou, eu e minha prima trocamos olhares arrepiados, e minha priminha começou a rir, a rir não a gargalhar, uma risada de bruxa, nem parecia uma garotinha de seis aninhos de idade.

__ Ela nos deu dois anos__ Rebecca falou

__ Dois anos pra que?__ Eu perguntei.

__ Ela não falou__ Rebecca respondeu.

Hoje estou aqui sentada em frente a minha televisão com muito medo, isso aconteceu a um bom tempo, mas nunca vou esquecer a cara de minha priminha quando aquela mulher falou do caixão de Elizabeth.

Até hoje não se sabe o que aconteceu e eu estou apavorada, olhei para o lado e vi minhas primas entrarem, Rebecca pulou nos sofá e Natalia puxou meu braço para perto dela mesma eu a segui, ela suspirou.

__ Hoje faz dois anos__ Ela disse

__ Acha que eu não sei?

E então aparece no jornal algo que eu não esperava.

“Após dois anos de busca o corpo de Elizabeth Beccan foi finalmente encontrado, o corpo estava a um pouco mais de 100 metros de onde o caixão estava, médicos já deram certeza de que era Elizabeth Beccan, e muitas pessoas estão trabalhando duro para descobrir como o corpo de Elizabeth foi parar tão longe de onde o caixão tinha sido enterrado”.

Eu e minhas primas trocamos olhares arrepiados, eu olhei pela minha janela para olhar o cemitério e me encolhi, será mesmo que isso nunca mais vai sair de dentro de mim? Quando esse pesadelo vai acabar?

As luzes desligaram, e minhas primas começaram a gritar, como se estivessem sentindo dor, eu não conseguia gritar, por que alguma coisa estava apertando meu pescoço, eu queria gritar, mas estava ficando sem respiração.

Senti meus olhos fechando, e aguardei minha morte.

 

 

Gabrielle Rodrigues dos Santos, 2010